"Alta noite, o pobre animal aparece no morro, em silêncio.
O capim se inclina entre os errantes vaga-lumes;
pequenas asas de perfume saem de coisas invisíveis:
no chão, branco de lua, ele prega e desprega as patas, com sombra.
Prega, desprega e pára.
Deve ser água, o que brilha como estrela, na terra plácida.
Serão joias perdidas, que a lua apanha em sua mão?
Ah!... não é isso...
E alta noite, pelo morro em silêncio, desce o pobre animal
sozinho.
Em cima, vai ficando o céu. Tão grande. Claro. Liso.
Ao longe, desponta o mar, depois das areias espessas.
As casa fechadas esfriam, esfriam as folhas das árvores.
As pedras estão como muitos mortos: ao lado um do outro,
mas estranhos.
E ele pára, e vira a cabeça. E mira com seus olhos de homem.
Não é nada disso, porém...
Alta noite, diante do oceano, senta-se o animal, em silêncio.
Balançam-se as ondas negras. As cores do farol se alternam.
Não existe horizonte. A água se acaba em ténue espuma.
Não é isso! Não é isso!
Não é a água perdida, a lua andante, a areia exposta...
E o animal se levanta e ergue a cabeça, e late... late...
E o eco responde.
Sua orelha estremece. Seu coração se derrama na noite.
Ah! para aquele lado apressa o passo, em busca do eco."
Cecília Meireles, Antologia Poética, Lisboa, Relógio D'Água,2002, p.56.