quarta-feira, novembro 18, 2009

"Probar la soledad sin que el vinagre haga torcer mi boca"

Confesso que, muitas vezes, tive a sensação aguda de solidão. Como se tudo e todos me abandonassem. Uma sensação de solidão dolorosa. Derivada, muitas vezes, de não ser capaz de dizer claramente o quanto amava os meus mais próximos. Com o fluxo dos anos, aprendi a não dar muita importância. A saber esperar. Aprender a aceitar.

Como diz o psicanalista Jacques Lacan, na solidão, sente-se a lacuna, o vazio que os outros tentam preencher desesperadamente com o Eu. Este Eu, criado no mimetismo da infância, é uma "instância de desconhecimento, de ilusão, de alienação, sede do narcisismo. É o momento do Estádio do Espelho". Um Eu criado pelo nosso Imaginário, "juntamente com fenómenos como o amor, o ódio, a agressividade" (em Jacques Lacan - Wikipedia).

Ainda de acordo com Jacques Lacan, somos seres em angústia pela nossa ligação demasiado intensa, mimética com a mãe enquanto crianças. Somos, na verdade, o animal que passa mais tempo nesse estado de osmose depois de nascer. Por isso, mais tarde o apaixonado, numa regressão sublime, sente-se como uma criança que procura desesperadamente o olhar do ser amado. Sente-se desamparado procurando sempre o outro, o amor, a todo o momento. Num impulso biológico muito forte.

Desta forma, a solidão faz-nos sentir autênticamente a condição humana. Essa estranheza que, se vivida directamente e com aceitação, nos abre as portas da percepção de um novo mundo. Essa consciência de estar aqui como que abandonados, como hóspedes transitórios da Terra como dizia Heidegger, faz parte da nossa condição básica de humano que tentamos evitar no nosso quotidiano normalizado.


Essa consciência pode ser a fonte de uma vida mais profunda e intensa. A solidão assumida, muitas vezes rodeada de muitas solidariedades subterrâneas, pode-nos abrir para o mundo de uma forma fantástica. Podemos aceder a outras percepções que, enquanto mergulhados na euforia do social, tendemos a esquecer. O hinduísmo e o budismo (e os nossos místicos ocidentais como San Juan de la Cruz, Jesus, etc...) descrevem de forma admirável esse caminho pessoal de meditação.

Como diz Octávio Paz, pode-se provar a solidão sem ficar azedo.


"probar la soledad sin que el vinagre
haga torcer mi boca, ni repita
mis muecas el espejo, ni el silencio
se erice con los dientes que rechinan"

(Vida Sencilla)