Muitas vezes, quando escrevo no "messenger", uma dúvida me assalta. Estarei falando mesmo com alguém ou será que o meu diálogo é também, ou acima de tudo, interior?
Perguntam-me muitas vezes, do outro lado da linha telefónica ou TVCabo que suporta a internet, porque estou calado. Melhor, um outro ser também diz para dentro mexendo dedos sobre terminais negros porque estou calado. Contudo, curiosamente estamos sempre calados no messenger.
O fascínio da escrita é exactamente esse. Ser um fluxo de dentro, um diálogo connosco. Um sentir mais perto sem o incómodo da representação do face a face.
Por isso, costumo dizer a muitos dos meus amigos internéticos de uma forma provocadora:
"Não há, no mundo, coisa mais real e íntima do que a INTERNET, a escrita no messenger. O mundo virtual é muito mais real do que o dia a dia.".
O mundo do messenger pode ser, nalguns casos, um mundo de intimidade em que estamos mais próximos de nós, mais em intimidade com o nosso ser do que no dia a dia que nos ausenta, que nos transforma em mercadorias virtuais como diria o velhinho K. Marx.
Como sou do tempo dos chats nos IRCs, da magia do on-line através da escrita, sinto que algo está a desaparecer com a WEBCAM (para muitos, foi o grande salto...). Ainda hoje, não tenho WEBCAM o que me transformou numa espécie de "dinossauro" do messenger.
Chego a pensar que a intimidade da WEBCAM não é mais o que o medo do contacto íntimo da escrita tal como os filmes pornográficos não são mais do que um exorcismo do receio de amar.
Uma necessidade de voltar ao mundo normal do "oral", do falado, do ter um rosto e, principalmemte para o sexo masculino, um corpo pela frente. Trata-se de voltar à percepção normal do mundo (eu diria televisiva) evitando assim a dobra de uma percepção interior que a escrita, o diálogo interior permitiria.
Também sinto que a paixão, que surgia naturalmente no messenger e no chat do IRC (aconteceu-me!), tem os dias contados. A escrita através do teclado abria a ilusão de um outro ser gémeo. Por isso, era fácil a paixão. Ao estar em diálogo interior, uma ligação directa emergia em que o que contava era apenas aquilo que somos: pura energia, pura energia procurando o mimetismo da criança, pura energia procurando o olhar infinito da mãe.
Tudo isto me veio à minha cabeça depois de ler este texto (que nem sei como classificar) da Clarice.
Fiquei sem palavras. Ainda estou sem elas.... Despido.
Tal como ela diz, na magia da escrita/voz interior "me sinto fatal a despeito de mim".
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"Como se eu procurasse não aproveitar a vida imediatamente, mas só a mais profunda, o que me dá dois modos de ser: em vida, observo muito, sou "ativa" nas observações, tenho o senso do ridículo, do bom humor, da ironia, e tomo um partido.
Escrevendo, tenho observações "passivas", tão interiores que "se escrevem" ao mesmo tempo em que são sentidas quase sem o que se chama de processo.
É por isso que no escrever eu não escolho, não posso me multiplicar em mil, me sinto fatal a despeito de mim".
Clarice Lispector, Para não esquecer, 5ª ed., São Paulo, Siciliano, 1992.
Fiquei sem palavras. Ainda estou sem elas.... Despido.
Tal como ela diz, na magia da escrita/voz interior "me sinto fatal a despeito de mim".
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"Como se eu procurasse não aproveitar a vida imediatamente, mas só a mais profunda, o que me dá dois modos de ser: em vida, observo muito, sou "ativa" nas observações, tenho o senso do ridículo, do bom humor, da ironia, e tomo um partido.
Escrevendo, tenho observações "passivas", tão interiores que "se escrevem" ao mesmo tempo em que são sentidas quase sem o que se chama de processo.
É por isso que no escrever eu não escolho, não posso me multiplicar em mil, me sinto fatal a despeito de mim".
Clarice Lispector, Para não esquecer, 5ª ed., São Paulo, Siciliano, 1992.
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